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Actualizado: 15 jun



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A psicanálise é uma experiência.

E sabemos que somente é possível aprender com as nossas próprias

experiências.

Por isso que, por mais teorias que estudarmos, não é esse o lugar que a

psicanálise irá acontecer.

Ali é onde ela se transmite: nas palavras de livros, cursos, nos ensinamentos que

nos são transmitidos.

Mas se não houver um divã (simbolicamente) não haverá análise.

E onde não há análise, não há psicanalista.

Freud é categórico quanto a isso: Sem análise, sem analista.

Essa experiência, sempre singular, nos permite  compreender, primeiro de tudo,

a nossa singularidade, a respeitar a nossa estrutura de personalidade, a nos colocarmos a

trabalho nas nossas neuroses e sintomas e saber sobre o universo que é nossa psique por

estarmos ciente da imensidão dela.

E, sabendo disso, passando por essa jornada da alma, poderemos, então, nos

aventurar, com muita responsabilidade e ética, a acompanhar cada um dos nossos

singulares psicanalisandos.

Cada um trará consigo para o divã o seu um universo particular.

Ainda, é na nossa análise pessoal que vamos vivenciar que o tempo lógico não

só não é o cronológico como é imperativo de ser respeitado para que opere os seus

efeitos.

Tudo a seu tempo.

Ou melhor, tudo no tempo do sujeito desejante.

Que o nosso desejo de sermos e estarmos na função de psicanalistas não atropele

o desejo e o tempo dos nossos psicanalisandos.

Não adianta chegarmos marretando as paredes defensivas nem tentar arrancar os

sintomas com as unhas.

Vemos muitos processos terapêuticos que usam essas “técnicas” que, além de

deslocar os sintomas para outros lugares (internos), geram mais defesas.

E, se algum sintoma tem um lugar para o sujeito, esse lugar foi necessário

porque a pulsão não encontrou um melhor destino para se satisfazer.

Como psicanalistas poderemos estar, contando com a transferência, junto com os

nossos pacientes buscando um melhor caminho possível para a pulsão deles.

Uma melhor distribuição, assim que for possível fazer um desinvestimento nos

sintomas, sendo eles de estimação ou não.

Isso porque não somos, estamos.

E essa plasticidade nos revela que os diagnósticos somente servem na

psicanálise como um fio condutor do processo psicanalítico, não como uma letra

escarlate: não é algo declarado, ocupa os bastidores para que no palco esteja o sujeito,

sem julgamentos, sem aplausos nem vaias.

Vamos escutar a dor e suas cores e entender o porquê dele ainda estar pintando

com giz de cera quando poderia estar fazendo esculturas de mármore.

É disso que se trata e é isso que se trata: o que causa sofrimento ao sujeito ter um

outro destino, para o sintoma ter uma dissolução, para que as emoções passem a ter

nomes próprios e para o Eu ser o administrador da própria casa – conscientes que ele

nunca será o Senhor da morada que compartilha com o Isso e com o Supereu.

Porque mudamos, expandimos e nos reinventamos.

E amanhã é possível estar em outro lugar, com uma nova cota de tudo que nos

compõe, sabendo que nada que é do ser humano nos é estranho, e o mais de acordo com

a realidade que for possível, vendo a vida como é – o único lugar capaz de nos

apaziguar, com o sempre tênue equilíbrio do princípio do prazer com o princípio da

realidade.

E sabemos, porque passamos muito tempo no divã para poder chegar nesse

lugar, não só de analistas, mas de equilibristas.


Texto publicado no livro Cartas a uma jovem analista

Organizado por Ana Cristina R. Bernardes

Editora Calligraphie

2005

 
 
 

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