- Lais Locatelli

- 15 jun
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A responsabilização dessa pessoa restará comprometida porque, afinal, se se está misturadaela está misturada com um outro, não há porque ser o responsável do que a compõe, do que sente, do que deseja, do que lhe falta e do que faz ou deixa de fazer.
Possivelmente, ela ficará com a parte boa e o outro, objeto da projeção, ficará com a parte má, restando um ser cindido, assim como a mãe era percebida como o seio bom e seio mau por seu bebê, na medida que esta o satisfazia ou não.
Quando o sujeito puder estarestiver integrado terá a oportunidade de se responsabilizar pelas próprias ações e frustrações e, também, por pagar o preço para realizar os seus desejos.
Afinal, na vida adulta, nada sai de graça. E esta, quem sabe, seja a desgraça de ficar no infantil: a sensação que a vida sai de granão tem custos, investimentos e renúncias porque a exigência recairá sobre os outros, que sejam eles a lhe darem as coisas, cobrirem suas necessidades, sejam físicas, emocionais ou
psíquicas, decifrarem quais são os seus desejos, dizerem quem ele é, e por aí vai.
A lista é longa e labiríntica, da mesma maneira que será o processo de psicanálisepsicanálise, a análise pessoal desse sujeito que, por estar muito suscetível e poroso ao ambiente, reviverá isso isto na relação com o seu psicanalista.
Já nos disse Freud, outrora, que a neurose de transferência, ou amor transferencial, poderá ter efeitos justamente porque o psicanalisando transfere funções ou, como revela Lacan, coloca o psicanalista como sujeito suposto saber e faz, no setting psicanalítico, uma encenação da realidade do seu inconsciente.
E é justamente a neurose transferencial que oportunizará um novo vínculo. “A clínica é o alfa e o ômega da psicanálise”, como escreve Iannini, pois todo o conhecimento da metapisologiametapsicologia e o mergulho nas manifestações do inconsciente do sujeito, tem como fim a construção, junto ao psicanalista, de uma melhor maneira de viver.
E, então, a partir dessa desta nova relação, o sujeito poderá ter a chance de elaborar o que antes lhe foi impossível.
A dependência que se repetirá, uma vez que o psicanalisando passa a confiar no seu analista, permitirá que ele possa se independentizarindependizar, dessa desta vez, com a anuência e tolerância de um adulto com o qual construiu um vínculo saudável.
Para que isso ocorra, o sujeito deverá contar com um profissional que seja um modelo não submergido em suas próprias limitações e dificuldades, mas disponível para estar junto com o analisando no seu processo de separação e elaboração.
É claro que o analista é um ser humano e, por isso, não está livre de tudo que compõe todos os outros seres humanos também, mascontudo supõe-se que estará com a sua formação contínua, supervisão e análise em diacontínua e, com isso, apto a ser um novo e saudável modelo relacional.
Essa é uma oportunidade singular para o sujeito não só rever a sua história, mas poder mudar o roteiro do filme da sua vida, dessa vezagora sendo o protagonista da sua obra e, a partir do que se produzir em análise, “escolher sua herança, nem aceitar tudo, nem fazer tábula rasa” (Roudinesco; E Derridá), experiência que se estenderá para as heranças maternas e paternas (que vão muito além das
físicas e patrimoniais)
Isso significa “tornar-se sujeito do próprio desejo em oposição à alienação inicial a um discurso de autoridade que deve, ao longo de uma análise, ser destituído de sua posição de verdade” (Kehl).
Mesmo porque, como escreveu Lacan, “na situação analítica alguém se isola com um outro para lhe ensinar o que lhe falta [...] (e) devido à natureza da transferência, o que lhe falta ele vai aprender amando”.
Por isso que toca ao psicanalista uma imensa responsabilidade de estar apto para esse ofício. Apesar da má interpretação dada a fala de Lacan que o psicanalista se autoriza a sê-lo, para chegar lá se faz necessário um longo, profundo, sério, ético e constante trabalho de formação.
E, justamente pelo fato do analista estar em permanente construção, poderá ser modelo para seus analisandos o serem também.
Por isso a psicanálise psicanálise está longe, ou deveria estar, de ser uma fórmula mágica, uma pílula de dose única ou um tratamento focal.
É uma construção e leva o tempo do sujeito – esse tempo é lógico, não cronológico – e conduz até onde for possível para o psicanalisando, estando ele resguardado de qualquer desejo do seu analista.
O desejo do analista estará manifesto pelo simples fato de sê-lo, pois “os desejos distorcem o juízo porque selecionam e suprimem o material a ser ajuizado” (Bion), entregando uma escuta séria, respeitosa e acolhedora, com atenção flutuante (mas mas não distraída) e sem memória, considerando que “a memória sempre é equivoca como registro de fatos, porquanto ela está distorcida pela influência das forças inconscientes.
Cada uma das sessões deve carecer de historiahistória e de futuro.” (Bion).
Essencialmente, sem memória no sentido de não encaixotar o sujeito nem o fixar em sua narrativa, mas permitir que ele cresça e expanda.
Para isso, será necessário conhecer o psicanalisando novamente, de certa forma, em casa sessão, o que, definitivamente, não pôde, outrora, ser vivenciado pelo sujeito que permaneceu até a vida adulta sem realizar o processo de separação dos seus genitores - ou que convive com parceiros que os representem atualmente.
Um dos efeitos dessa análise será, possivelmente, a dissolução dos vínculos que têm como núcleo a dependência, fruto da dificuldade que o psicanalisando tinha em se reconhecer como alguém individualizado, sem estar misturado simbioticamente.
ou fusionalmente com alguém.
Nesses casos, “até que a análise nos separe” pode, literalmente, acontecer.
























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