- Lais Locatelli

- 19 jun 2024
- 4 Min. de lectura
Actualizado: 15 jun
O amor como capacidade aprendida em um lar violento
Pode-se considerar fraco o ego do lactante, mas na verdade ele é forte por causa do cuidado materno.
Onde falha o cuidado materno a fraqueza do ego do lactente se manifesta.
Winnicott

Necessitamos ser amados para aprender amar.
Necessitamos amor para nos constituirmos como sujeitos e, assim, termos a capacidade de amar.
Nos ensina Renato Dias Martino que “a capacidade de amar é um bom exemplo de um elemento que não é inato do ser humano. (...) Não se aprende a amar por meio de orientações pedagógicas, métodos didáticos ou de doutrinação, mas através de experiências vividas junto de alguém que nos ama”.
A qualidade do amor que recebemos dará tanto o contorno do que virá a ser sentido como suficiente e merecido no futuro como o contorno do que iremos oferecer como amor, formando um grande encadeamento de relacionamentos das mais distintas naturezas.
Ou seja, o que compõe a nossa ideia de amor terá relação direta com os sujeitos com os quais tivemos uma vivência direta e um vínculo profundo: o que recebemos, o que damos e a qualidade desse dar e receber estabelece um mínimo denominador comum nessa composição.
Quando existe um desequilíbrio muito acentuado entre o que se dá e o que se recebe, a relação se torna um terreno fértil para a manipulação, exigências, abusos e outras formas de violência, muitas vezes vividas como traumáticas.
Nesse sentido escreve Freud que “o amor é o grande educador, e é pelo amor daqueles que se encontram mais próximos dele que o ser humano incompleto é induzido a respeitar os ditames da necessidade e poupar-se do castigo que sobrevém a qualquer infração dos mesmos”.
O profundo registro do que compõe uma relação, segundo Laplanche e Pontalis irá de encontro com a ideia de “escolha” consciente pois a eleição dos nossos objetos amorosos estará previamente desenhado, o tipo de objeto de amor que captará nossa atenção e que, possivelmente, nos levará ao enamoramento.
Isso porque o contorno desse novo objeto, “tanto em sua dimensão de ação como de afeto e representação, tendem a ser o modelo para as relações adultas”.
Assim como os vínculos são definitivos na formação dos nossos modelos, especialmente o materno, Winnicott escreve sobre a importância de um ambiente suficientemente bom para o nosso desenvolvimento emocional e destaca que um ambiente invasivo pode originar uma “falsa integração, quando acaba provocando de fora o sentimento de unidade ao invés de simplesmente permitir e apoiar a sua emergência (...) precisando ser defensivamente compensado”.
Conviver com a violência no próprio lar pode vir a obstaculizar a passagem das cisões para integrações na constituição da personalidade, passagem essa fundamental para lidarmos com as experiências relacionais ao longo da vida.
Ainda, “a criança se vê vítima de violência por parte de quem a deveria proteger. (...) Sendo a família seu aprendizado primário de socialização, sua experiência de mundo exterior será exposta a essa difícil marca com a qual terá que lidar para ser e estar nesse mundo”.
Winnicott destaca que, quando tivermos sido submetidos, na tenra idade, a um acentuado grau de privação, sofremos “uma ansiedade imensurável” e podemos nos organizar de uma maneira neutra, concordando com tudo, o que terá importantes efeitos no futuro.
É inegável que o seio familiar tem uma importância imensurável na definição de relacionamentos amorosos na idade adulta estarem ou não permeados com violência, em suas diferentes facetas, seja emocionalmente ou fisicamente, com palavras ou com o ações, e se essa violência estará compreendida como parte do amor.
É no vínculo de um ser humano com outro ser humano que estarão sendo formados os contornos do respeito ou desrespeito e os limites que nós estipulamos aos outros e os limites que os outros colocarão para nós.
Se tivermos uma ideia sobre como nos formulamos como sujeitos teremos mais chances de nos reconhecer, ou quem sabe nos conhecer, como sujeitos com desejos e necessidades personalíssimas, de acordo com a nossa subjetividade, o que pode nos levar a não repetir padrões, nem para cometer nem para sofrer violência, seja qual for, do tipo que for.
A análise pessoal pode nos proporcionar o reconhecimento dos limites, nossos e dos outros, pensar e reelaborar o que entendemos por amor.
Para tanto, é essencial “a ligação e a confirmação da aliança afetiva entre paciente e analista (....). A capacidade de se ligar e de dar manutenção aos vínculos só pode ser estabelecida, assim como restabelecida, através de experiências emocionais reparadoras”, como escreve Renato Dias Martino.
É essencial para termos vínculos saudáveis a transição do princípio do prazer para o princípio da realidade, com o desenvolvimento do ego, instancia que fará a mediação entre nossas pulsão e nosso próprio legislativo - nossa ética e moral.
Nós temos que ter limites, mesmo desejando muito alguém, mesmo querendo saber cada passo que essa pessoa dá, mesmo com o ímpeto de castigá-la quando ela não corresponde a nossa expectativa e não anda na linha do que compreendemos como ética, moral e bons costumes.
Os nossos desejos não são direitos, é necessário frisar porque basta olharmos os números de relacionamentos abusivos, violentos, persecutórios e invasivos, além dos casos de violência sexual, que não param de crescer e que podem estar, ainda, compaginados com um narcisismo com traços patológicos que demanda desejos como direitos, transformando o outro em objeto de satisfação de desejos.
Quando falamos de movimentações do humano, estamos no mais íntimo e privado de cada um com toda consequência emocional e psíquica que isso causa.
Portanto, é importante verificar o que, para o nosso par romântico é o amor, o que ele aprendeu por amor.
São perguntas fundamentais tanto para fazermos para nós mesmos quanto para o outro para não nos relacionamos às cegas e encontrarmos parceiros que trarão a ideia do amor com violência na fórmula.

























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