- Lais Locatelli

- 15 jun
- 3 Min. de lectura

“Nada senão o desejo pode colocar
nosso aparelho anímico em ação”
(Sigmund Freud, 190)
O amor é para a psique o que o coração é para o corpo: faz pulsar a vida.
Não necessariamente no sentido de pulsão, mas como o próprio órgão, que leva nutrientes e ar para todas as ramificações da vida, permitindo que a falta, como sujeitos faltantes que somos, não seja asfixiante.
O amor permeia as relações com os nossos afetos - aqueles que nos
afetam - os pais, irmãos, familiares, amigos e pares românticos.
Não poderíamos pensar no amor sem partir do amor materno, do qual dependemos para sobreviver para, posteriormente, poder viver além dele.
Esse é o primeiro aprendizado: aquele que nos ama cuidará da nossa vida.
Essa relação primeira nos ensinará o que é o amor, como uma capacidade e como resposta aprendida.
Porque alguém nos amou nós aprendemos o que era isso, o “amor”: o cuidado com o Outro, o carinho, a proteção, a nutrição de comida e de ternura, o olhar de admiração, de reconhecimento, de engrandecimento; ou o abandono, o descaso, o desleixo com as necessidades da própria manutenção da vida, a indiferença do olhar sem vínculo, a desnutrição, a humilhação, o castigo, o grito e a culpabilização.
Se o amor que recebemos no primeiro vínculo, mãe, é aquele que nos ensina, a priori, a amar, urge pensar: que contorno de amor foi esse que nos ensinaram e nos proporcionaram e que vamos buscar, com todo nosso desejo, reaver nas demais relações de amor - ou de desamor.
O mesmo vale para o Outro que vai ser o nosso par romântico: o que ele aprendeu por amor?
Para ele, o que é amar?
Não costumamos fazer tais perguntas para quem nos relacionamos. Nós perguntamos: você me ama?
Por que você me ama?
O que viu em mim?
Como se o Outro pudesse desvendar quem somos e nos entregar essa resposta.
A consequência é que, muitas vezes, nos relacionamos às cegas, sem saber o que significa amar para nós mesmos e para o nosso par romântico.
Será que queremos saber sobre o amor do Outro ou desejamos o amor dele e isso nos basta porque é o que nos satisfaz?
Frente a esse desconhecido, nós mesmos, supomos que podemos preencher a falta do Outro - tamponar o que é estrutural - entrando em uma montanha russa na impossível tarefa de ser “tudo” para alguém, quando surge a demanda: você tem que ser tudo para mim também.
Nesse tudo, estão incluídas as fantasias e ideais que ambos terão pouca consciência de quais são.
A fórmula é impossível, de largada.
Como se forma então, isso do par romântico?
Na paixão, o banquete posto na mesa inclui no cardápio a identificação com o Outro - se ver nele como espelho - e a projeção do ideal - seja eu, mas melhorado, com minhas fantasias agregadas, o que eu gostaria de ser.
Para completar essa fórmula, entregamos massivamente a nossa libido - energia ligada a um objeto -deixando o Eu empobrecido.
A dinâmica passa ser buscar no Outro uma compensação da libido entregue, visando um certo equilíbrio que permite o Eu se manter nutrido.
Quando existe um desequilíbrio muito acentuado entre o que se dá e o que se recebe, a relação se torna um terreno fértil para a manipulação, exigências e abusos, com um dos apaixonados mais fragilizado e propenso em tentar resgatar algo da sua libido, ou convencer que o Outro entregue parte da dele, nem que seja em forma de migalhas.
Podemos refletir, a partir dessa premissa, que um relacionamento abusivo é o que causa sofrimento, que dói, que fere, que maltrata, que manipula e que há um desrespeito com o mundo interno do Outro.
Ainda, passamos a existir através dos olhos desse par, que definirá o nosso valor e ficamos à mercê de ser
um objeto para o satisfazer, um objeto de gozo, ficando o sujeito fora dessa fórmula.
Resta assim, um cenário montado para frustrações: com o par, que nos desperta desprazer; com nós mesmos, por não conseguirmos “conquistar” aquele objeto desejado, provocando, assim, uma ferida narcísica; e por permitir que uma relação abusiva se instaure nas nossas vidas.
Para termos vínculos saudáveis, é imperativo sermos honestos com nós mesmos, reconhecer nossos
limites, encarar a realidade do que é possível com o Outro e para o Outro para não cair na tentação de nos colocarmos como vítimas ou dar asas para o narcisismo ao pensar que podemos modificá-lo e torná-lo outra pessoa.
























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